Esse texto é um subcapítulo do livro Ciclos Fatais – Socialismo e Direitos Humanos, de Geanluca Lorenzon, Diretor de Desburocratização do Ministério da Economia e Presidente do Conselho Administrativo do Clube Farrpilha.

Além do plano teórico e jurídico, este tópico se dedica a analisar como foram os resultados das escolhas econômicas e políticas do fenômeno analisado, tendendo a vislumbrar um sistema e regime jurídico de facto em relação ao que se foi historicamente proposto na teoria.

A União Soviética é reconhecida por ter um dos regimes totalitários mais radicais da história. Junto com outros regimes socialistas, como a China de Mao, a Cuba dos irmãos Castro, a Alemanha de Hitler e o Camboja de Pol Pot, promoveram os maiores massacres e as mais grandiosas violações de direitos humanos documentadas até hoje pela humanidade.

O regime iniciou com um decreto em 7 de novembro de 1917, quando Lenin confiscou todas as propriedades e as colocou sob o regime do governo, implementando assim um radical sistema socialista de economia. Cinquenta dias depois, ele criaria a Cheka, que veio a ser conhecida por KGB. Seu primeiro líder, Felix Dzerzhinsky, declarou: “Nós não precisamos de justiça neste ponto. Estamos engajados hoje, de mãos dadas para combater até a morte! Até o fim! Eu proponho, eu demando, a organização de uma revolução aniquiladora contra todos os contrarrevolucionários!”.[1]

Em 4 de Janeiro de 1918, Lenin bane o Partido Democrático-Constitucional Russo, conhecido como cadets, os denominando como “inimigos do povo”, por defenderem a democracia liberal e direitos sindicais. No mesmo dia, dois líderes do partido foram assassinados em um hospital.[2] Um decreto na semana seguinte extinguiu todos os direitos legais das igrejas, tornando ilícitas suas existências.

Logo em seguida o casamento é abolido e a família é considerada pelo regime como obsoleta, uma vez que privaria as mulheres de realizar o trabalho útil ao estado, que pretendia gradualmente se encarregar da criação dos recém-nascidos. Para eles, crianças “como cera, são altamente maleáveis” e “bons e verdadeiros comunistas podem ser feitos deles”.[3]

A ideia de que crianças pertenceriam ao estado, e não às suas famílias, é historicamente uma bandeira do socialismo e do fascismo, estando na espinha dorsal do processo de controle social por esses regimes. Logo, quando a Procuradora da República, Deborah Duprat, mencionou em um debate na TV Câmara brasileira que as crianças não pertenceriam às suas famílias, falhou ela em não entender a grande carga moral e histórica que tal concepção carrega. Como ensinou Edmund Burke, aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la.

Em julho de 1918 o regime cria uma categoria de cidadãos conhecidos como lishenets, e retira deles todos os direitos. Neste grupo estavam inclusos empresários, padres, antigos colaboradores da polícia, frequentadores da antiga realeza, e “pessoas que contratam trabalho com o intuito de obter lucro”. É estimado que 5 milhões de russos foram enquadrados nessa categoria.

Em setembro de 1918, o cabinet Soviético autoriza o “Terror Vermelho”, que permitiria à Cheka implementar uma “impiedosa massa de terror”, em resposta a uma tentativa de assassinato a Lenin que resultou no massacre de 600 pessoas. Na mesma situação, ele autoriza a abertura de campos de concentração destinados à “bourgeoisie” (burguesia): eram fundados os gulags.

Dois meses depois, o sistema jurídico russo sofre seu maior atentado. Lenin substitui o sistema judicial por tribunais revolucionários destinados a prender aqueles que não representassem “a consciência do proletariado e o dever revolucionário”.

Em 1919, Lenin assina um decreto iniciando uma campanha para combater o analfabetismo, que passa a ser considerado crime. Em 1922, a Cheka é substituída pela GPU, e seu primeiro objetivo é exterminar a liberdade de expressão, assassinando poetas e intelectuais considerados contrarrevolucionários. O código-penal é emendado em 1927 para criminalizar as chamadas “atividades contrarrevolucionárias”, que veio a servir de base para uma série de restrições a liberdades civis, inclusive na manifestação de piadas e sátiras do regime.[4] Como George Orwell descreveu em sua obra clássica, 1984: “toda piada é uma pequena revolução” (every joke is a tiny revolution).

Em 1929, é estimado que os trabalhadores eram forçados a trabalhar sete dias por semana em terríveis condições. Um relatório emitido por um agente da GPU informava que a alimentação era terrivelmente desnutrida, formada essencialmente de água. A carne era normalmente contaminada e os vegetais praticamente inexistentes.[5]

Em 1932-33 ocorre um dos mais terríveis episódios da história da humanidade, em que oito milhões de Ucranianos foram assassinados através de fome artificial imposta como retaliação a uma revolta contra o regime stalinista: o evento histórico conhecido como Holodomor. Jornais ocidentais, como o The New York Times, negaram o ocorrido à época.

Em 1933, o direito de ir e vir é definitivamente extinto, para manter a “estabilidade de emprego” e residência, sendo instituídos passaportes domésticos, em um estilo parecido com o sistema usado na África do Sul durante o regime de apartheid. Em 1935, Stalin decreta nova legislação sobre as crianças, determinando que pessoas de 12 anos ou mais seriam criminalmente processados por não denunciar “traições” ao regime cometidas pelos seus pais. O regime nazista alemão editou similar lei em 1944.

Em uma história que ficou consagrada na obra Eleven Years in Soviet Prison Camps (em tradução literal, Onze Anos em Campos de Prisão Soviéticos, nunca publicado no Brasil), Elinor Lipper descreve a história de um cidadão que foi submetido a um campo de concentração onde ocorria trabalho escravo explorado pelo regime comunista. Os terrores dos gulags são muitas vezes comparados aos campos de concentração nazistas.

Estimativas ocidentais afirmavam que, em 1939, mais de oito milhões de pessoas haviam sido presas e, desde 1937, começaram a morrer em massa por conta das más condições dos campos de concentração.

Logo após a Segunda Guerra Mundial a fome começa a varrer a Ucrânia e outros países do Leste Europeu, fazendo com que o Kremlin demande produções irreais dos fazendeiros. Stalin demanda confiscação de grãos para alimentar cidades, implementando políticas que geram desestímulos à plantação. Como resultado, milhares morreram de fome e Stalin então nega aos Ucranianos o direito de reter parte de sua produção de alimentos para saciar a sua própria.

O ano de 1950 é marcado pelo massacre de milhões, executados em massa nos gulags. [6] Três anos depois, protestos são duramente reprimidos da Alemanha Oriental. Especificamente no dia 17 de Junho de 1953, aproximadamente quinhentas pessoas foram esmagadas por tanques soviéticos em Berlim. No mesmo sentido, em 1956 um grupo intitulado “Liberdade de Expressão” é fundado na Sibéria e, em menos de um ano, todos são presos. Segue a isso uma campanha promovida para remover “parasitas”, majoritariamente pesquisadores e artistas opositores ao regime, que são enviados a regiões remotas da União Soviética.

Em 1964, a Academia de Ciências Ucraniana começa a circular o livro antissemita intitulado Judaism Without Embellishment (em uma tradução literal, Judaísmo Sem Enfeites). Muitas das ilustrações são diretamente importadas do periódico nazista Der Stunner. Como consequência, no ano seguinte, centenas de jovens são presos na Ucrânia, acusados de oposição ao regime.

Em 3 de fevereiro de 1977, em um sangrento golpe efetuado na Etiópia com o suporte de Moscou, o ditador comunista Colonel Mengistu Haile Mariam lança seu próprio “Terror Vermelho”, matando cerca de 10 mil pessoas.

Dentro da Ucrânia, a perseguição a católicos se intensifica e um dos líderes católicos no país escreve ao Papa Paulo VI que “nossos padres gemem em campos de trabalho forçado e em institutos psiquiátricos… Eu vivo em um país em que é um crime ser cristão. Nunca antes a fé de uma Igreja de Cristo foi exposta a tantas perseguições como hoje”.[7]

No mesmo ano, em Honolulu no Havaí (EUA), o Congresso Mundial de Psiquiatria denuncia que o regime soviético abusou de procedimentos para manter o regime político. Dois anos antes, o canal norte-americano CBS News reportou que 7.000 lobotomias foram realizadas em cidadãos soviéticos para “curá-los de crenças políticas errôneas.”[8]

Em 1983, o Departamento de Estado Americano estima que quatro milhões de pessoas se encontravam em mais de mil e cem campos de trabalho forçado na União Soviética. Em 1985, o direito à inviolabilidade da pessoa humana é sepultado novamente quando a presidência do Supremo Soviet da URSS decreta que tratamentos médicos serão compulsoriamente aplicados às pessoas com “problemas psiquiátricos” sem autorização judicial.

Nem sob o regime de Gorbatchev a situação dos direitos humanos chegou perto do que se vivenciou na maioria dos países ocidentais no mesmo período. Dentro das informações presentes e reconhecidas incontroversamente até hoje, as redes da KGB mantinham informações e controle sobre todos os bairros e locais de trabalho; nenhum cidadão soviético conseguiria um emprego ou apartamento se não estivesse junto com o partido.

Em si, a realidade factual dos registros históricos aponta que os direitos humanos sob o regime soviético foram praticamente extintos. A alta flexibilidade advinda do caráter coletivo dos mesmos sob a Constituição de 1936 sujeita sua aplicabilidade a todo tipo de necessidade do governo, em que “para o bem-estar social” eventuais violações poderiam ser aplicadas.

No terceiro capítulo deste trabalho será investigado quais as razões desse fenômeno de autodestruição humana e a relação com a escolha de uma economia socialista por parte da União Soviética. A destruição humanitária não era opcional caso o regime quisesse manter um sistema socialista.

[1] JOHNS, Michael. Seventy Years of Evil: Soviet Crimes from Lenin to Gorbachev. Policy Review Magazine. The Heritage Foundation, 1987.

[2] Ibid.

[3] Ibid.

[4]Vale a pena assistir o documentário de 2006, intitulado Hammer & Tickle, de Ben Lewis.

[5] Ibid.

[6]Ibid.

[7] Ibid.

[8] Ibid.

 

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